quinta-feira, 25 de março de 2010

JUSTIÇA PARA OS FARMACÊUTICOS - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Resolução CFM nº 1823/2007

PUBLICADA DIA 22/03/10
SENTENÇA TIPO “A” Nº /2010-B
CLASSE : 7100 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA
PROCESSO : 2008.34.00.035483-9
AUTOR : CONSELHO FEDERAL DE FAMÁRCIA – CFF
RÉU : CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA - CFM

Cuida-se de ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, inaudita altera pars (sem ouvir a outra parte), ajuizada pelo CONSELHO FEDERAL DE FAMÁRCIA – CFF em face do CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA - CFM, a fim de que seja determinada a suspensão da eficácia da Resolução nº 1.823/07 do Conselho Federal de Medicina.
Sustenta que as disposições da resolução supracitada ofendem o direito fundamental à liberdade de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII, CF), assim como o princípio da legalidade, tendo em vista a inadequação do instrumento utilizado pela restrição.
Inicial acompanhada de documentos (fls. 28/274).
Custas à fl. 275.
Despacho que oportunizou a manifestação do CFM (fl. 277).
Manifestação do réu às fls. 279/337, com preliminar de ilegitimidade ativa ad causam, e no mérito, defesa da legalidade do ato administrativo combatido.
Decisão que deferiu a liminar (fls. 339/342).
Contestação às fls. 387/718 acompanhada de documentos, com preliminares de ilegitimidade ativa ad causam e carência de ação. No mérito defende a legalidade da Resolução nº 1.823/07 do Conselho Federal de Medicina, tendo em vista que consonante com o conceito de ato médico e a exclusividade de atribuição do médico em realizar diagnósticos.
Cópia da decisão do TRF da 1ª Região que reformou a liminar (fls. 762/764).
Réplica às fls. 772/783.
Não houve especificação de provas.
Os autos vieram conclusos.
É o breve relatório.
DECIDO.
PRELIMINARMENTE
Afastei uma das preliminares na análise da liminar, cujos fundamentos transcrevo para manter a rejeição.

Predomina, atualmente, o entendimento de que as ações coletivas deveriam ser mais amplamente utilizadas para propiciar solução uniforme dos litígios e, ao mesmo tempo, reduzir a repetição de processos idênticos. No caso dos autos, estamos diante de direitos individuais homogêneos, passíveis de tutela por meio de Ação Civil Pública, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
5 - Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. (...) Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. (RE nº 163.321/SP - Rel. Min. Maurício Corrêa - Tribunal Pleno – D.J. 29/6/2001.)

Deste modo, os direitos ou interesses individuais homogêneos e os coletivos de uma determinada categoria profissional são passíveis de tutela por meio de Ação Civil Pública. O Conselho Federal de Farmácia tem legitimidade para propô-la como substituto processual.

Relativamente à carência da ação, também, é alegação que não convence.
O réu utiliza fundamento aplicável ao mandado de segurança que não serve sem as devidas adaptações à ação civil pública. No caso dos autos o raciocínio não se aplica.
Essa espécie de ação é meio adequado para o controle de constitucionalidade difuso, consoante consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE - 411156, Rel. Min. Celso de Melo – Informativo 571). Não se admite é que a questão constitucional seja a principal da demanda; exige-se que seja incidental, tendo em vista a coisa julgada erga omnes das sentenças em ação civil pública.
No caso dos autos, o autor, a par do pedido de declaração de inconstitucionalidade da resolução do CFM, maneja como principal, objeto consistente em determinar obrigação de não fazer. Assim, não há falar em carência da ação ou falta de interesse de agir.
Rejeito as preliminares.
Mantenho os argumentos já lançados na decisão de fls. 339/342:

Prescreve o art. 5º, II e XIII, da Constituição Federal:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Verifica-se, pelo exame dos dispositivos constitucionais transcritos no item anterior, que somente lei pode obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa e que apenas lei em sentido formal poderá impor restrições ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.
O art. 5º, XIII, da Constituição Federal é cláusula sob reserva de lei qualificada, isto é, a par da exigência de lei formal, esta só poderá restringir a liberdade profissional no que tange às qualificações profissionais, nada mais.
No caso, a vedação feita pela Resolução nº 1.823/07, do Conselho Federal de Medicina, ultrapassou os limites, uma vez que não há a proibição em lei formal, tampouco se ateve aos aspectos da qualificação profissional. Conseqüentemente, é inconstitucional e não pode obrigar o médico a recusar o exame feito pelo profissional farmacêutico.
A exigência do art. 9º[1][1], interposta por Resolução do Conselho Federal de Medicina, e não por lei ordinária, ofende o princípio da legalidade e viola o princípio constitucional do livre exercício profissional.
O ato administrativo normativo restringe, por via transversa, o exercício das demais profissões da área médica com habilitação curricular para emitir laudo anatomopatológico e citopatológico, a exemplo dos farmacêuticos e biomédicos.

Acrescento.
O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de esposar argumentos cuja diretriz foi entender norma regulamentadora de profissão violadora do art. 5º, XIII, da Constituição Federal, porque o legislador ordinário extrapolou os limites de restrição autorizados pela Carta, senão vejamos:

"A Constituição de 1988, ao assegurar a liberdade profissional (art. 5º, XIII), segue um modelo de reserva legal qualificada presente nas Constituições anteriores, as quais prescreviam à lei a definição das ‘condições de capacidade’ como condicionantes para o exercício profissional. No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na formulação do art. 5º, XIII, da Constituição de 1988, paira uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e proporcionalidade das leis restritivas, especificamente, das leis que disciplinam as qualificações profissionais como condicionantes do livre exercício das profissões. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Representação n.° 930, Redator p/ o acórdão Ministro Rodrigues Alckmin, DJ, 2-9-1977. A reserva legal estabelecida pelo art. 5º, XIII, não confere ao legislador o poder de restringir o exercício da liberdade profissional a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial. (...) O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação. O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada. Isso implica, logicamente, que a interpretação do art. 5º, inciso XIII, da Constituição, na hipótese da profissão de jornalista, se faça, impreterivelmente, em conjunto com os preceitos do art. 5º, incisos IV, IX, XIV, e do art. 220 da Constituição, que asseguram as liberdades de expressão, de informação e de comunicação em geral." (RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 17-6-09, Plenário, DJE de 13-11-09). Grifei.

O só fato de restringir o exercício da profissão de farmacêutico por ato subalterno à lei, já é suficiente para afastar a norma combatida. Porém, há outros motivos.
O ato normativo guerreado é desproporcional por três razões.
Primeira, as normas que definem as diretrizes curriculares para formação de farmacêutico-bioquímico incluem nos currículos conteúdo referente à Citologia (exames citológicos de secreções, excreções, exsudatos, transudatos, liquor e cefalorraquiano e sangue) (art. 4º, da Resolução nº 04/69 do Conselho Federal de Educação e art. 5º, da Resolução nº CNE/CES 02, de 19 de fevereiro de 2002).
Desse modo, a Resolução nº 1.823/07 é ilícita ao intervir em atividade de profissional habilitado para proceder ao exame citológico.
Ademais, a restrição viola a Lei 11.664, de 29 de abril de 2008, que determina política pública para efetivação de ações de saúde que assegurem a prevenção, a detecção, o tratamento e o seguimento dos cânceres do colo uterino e de mama, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, tendo em vista diminuir o número de profissionais da área médica na atividade de prevenção ao câncer.
Segunda, a Lei 3.820/60, regulamentada pelo Decreto nº 85.978/81, Resolução/CFF nº 179 e Resolução/CFF nº 358/01, também, habilita o farmacêutico-bioquímico para executar exames citológicos em todas as suas modalidades.
Portanto, tanto por conhecimento técnico, como por regulamentação da profissão o farmacêutico-bioquímico é autorizado a proceder a exames citológicos.
Observo, ainda, que nenhuma das normas em epígrafe permite a esses profissionais elaborar diagnósticos sobre doenças. Somente admite os exames, de tal sorte que não merece guarida o argumento do CFM sobre a invasão em atribuição exclusiva do médico.
Terceira, enfatizo que o farmacêutico-bioquímico não está autorizado a diagnosticar doenças (câncer, por exemplo), mas apenas realizar tecnicamente os exames. Ora, a interpretação do laudo cabe ao médico, que o avaliará e chegará à conclusão consentânea com a medicina.
Assim, não é crível restringir a atividade de elaboração de exames citológicos ao profissional médico. O diagnóstico continuará sendo sua competência exclusiva.
Conclusão.
Os artigos 7º, 8º e 9º, da Resolução CFM nº 1823/2007 violam o princípio da legalidade, pois impõe limite a direito fundamental – liberdade profissional -, por via inadequada, isto é, resolução, ato subalterno à lei.
Extrapolam a autorização de restrição conferida pela Constituição, art. 5º, XIII, tendo em vista a reserva de lei qualificada, por atingirem o núcleo essencial do citado direito fundamental, haja vista que, por via transversa, limitam o exercício das demais profissões da área médica com habilitação curricular para emitir laudo anatomopatológico e citopatológico.
E violam o princípio da proporcionalidade. Possuem conteúdo inadequado à regulamentação de atividade lícita, por conta do cipoal de normas a permitir a elaboração de exames citopatológico e anatomopatológico por farmacêutico-bioquímico.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 7º, 8º E 9º, DA RESOLUÇÃO CFM Nº 1823/2007, E DETERMINAR QUE O RÉU, CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, ABSTENHA-SE DE PROIBIR A ACEITAÇÃO DE LAUDOS REALIZADOS POR PROFISSIONAL FARMACÊUTICO-BIOQUÍMICO, BEM COMO SE ABSTENHA DE NÃO RECONHECER E/OU NÃO ACEITAR EXAMES DE ANÁLISES CLÍNICAS ASSINADOS E/OU SOB RESPONSABILIDADE DE FARMACÊUTICO-BIOQUÍMICO, E DIVULGAR QUAISQUER DESSAS RESTRIÇÕES.
Sem custas e honorários, conforme art. 18, da Lei 7.347/85.
Publicar. Registrar. Intimar.
Oportunamente, arquivar.
Brasília, 04 de março de 2010.


PABLO ZUNIGA DOURADO
Juiz Federal Substituto da 3ª Vara/DF na titularidade

[1][1] Art. 9° Os médicos solicitantes dos procedimentos diagnósticos devem observar a identificação prevista no artigo 7° desta resolução, recusando-se a aceitar laudos assinados por não-médicos, sob pena de assumirem responsabilidade total pelo resultado emitido.

BIÓLOGO IMPEDIDO DE REALIZAR ANÁLISES CLÍNICO-LABORATORIAS

JUIZ DA 4a VARA FEDERAL JULGA PROCEDENTE O PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DAS DISPOSIÇÕES NORMATIVAS DA RESOLUÇÃO 10 DE 2003 QUE AUTORIZAM O BIÓLOGO A REALIZAR ANÁLISES CLÍNICO-LABORATORIAS, NOS TERMOS DO ART. 269, I DO CPC.


MAIS INFORMAÇÕES CONSULTE:

http://www.trfl.gov.br/Processos/ProcessosSecaoOra/ConsProcSecaoPub

quarta-feira, 17 de março de 2010

Participe do do 37º CBAC e 10º CBCC

O 37º Congresso Brasileiro de Análises Clínicas e o 10º Congresso Brasileiro de Citologia Clínica será realizado no Centro de Convenções de Goiânia/GO entre os dias 13 e 16 de Maio de 2010.

Visite o site www.sbac.org.br e conheça a excelente programação científica e cultural do evento.

As inscrições já estão abertas. Faça a sua através do site.

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